A gata, o namoro e a monotonia

Foi a gata quem me acordou hoje. Suas patinhas raspavam a porta como quem implorasse por abrigo em meio a uma forte tempestade. Os miados reforçavam o pedido. Foi com muito custo que, às cinco e meia da manhã em meu dia de folga, saí do conforto e do calor da cama para deixa-la entrar. Foram quarenta e oito minutos até que eu percebesse que não iria mais dormir.
Passei o resto da manhã culpando a gata infeliz por ter me acordado. Ela me olhava e se lambia num total egocentrismo. Típico, bufei. Miau, disse ela.

No final da tarde havia marcado de encontrar umas amigas. Saí de casa por volta das quatro, ainda irritada com a gata. Meu dia tinha sido um grande nada até então. Acordei cedo e passei horas reclamando disso nas redes sociais, pra vizinha do 32, pro moço que cortou os cem gramas de presunto que pedi no supermercado. Agora reclamava pra amigas.

Imagina que hoje, minha merecida folga, aquela gata me acordou às CINCO-E-MEIA-DA-MANHÃ e…
Era uma anedota boa para um fim de tarde, com café e alguma bossa nova ao fundo, quase novela das oito. Mas não havia reviravoltas, gente sendo jogada da escada, amores impossíveis, tramas complexas que na verdade eram bem simples. O que havia era uma inocente felina pedindo colo. E sua dona tendo um dia bem inútil.

Foi isso que me impediu de dormir no dia seguinte. A gata nem se abalou novamente. Passou-se uma semana, na verdade, com essa ideia acontecendo e me cortando o sono. Então decidi fazer algo a respeito.

Eu li, recentemente, num livro de autoajuda desses que a gente compra no metrô que não havia nada mais essencial para o sucesso que a nossa agência. Achei uma ideia bonita, pena que ninguém comprava. Pois fui lá e agi.

Hoje mesmo no trabalho decidi contar uma pequena mentira. Disse que estava apaixonada por um novo homem. Seu nome era Roberto, era alto, um corpo maravilhoso, um sorriso que me deixava sem ar, uma inteligência descomunal e um carinho intenso. Todos adoraram e quiseram conhecê-lo. Pois como sou preparada, havia contratado um ator para se passar por ele e me trazer flores, dizer-se apaixonado e me dar um beijo.

A verdade-verdadeira é que não era um ator, era um garoto de programa. E o beijo me custaria um adicional. Se eu quisesse o pacote completo, haveria um desconto. Mas minha novela é das seis, não há pacote completo, só um beijo mesmo.

E assim foi. Todos sorriram, aplaudiram, sentiram inveja. Lúcia, a cretina do RH, até veio de sorrisos falsos pra mim e me parabenizando. Pediu que eu levasse Roberto à festa de aniversário dela – um jantar íntimo só para uns chegados – caso a gente estivesse juntos ainda. É novo o relacionamento, né? Foi isso que ela me disse. Eu sorri amarelo e disse que sim, mas que iria com ele.

Agora estou pensando no que fazer, no que vai acontecer nesse relacionamento. Será que eu devia pedir o pacote completo? Talvez pareça mais real se estivermos entrosados a esse ponto. Será que alguém desconfiou? Dona Bete olhou pra ele com desconfiança, aposto que já utilizou os serviços. Quanto tempo será que vamos ficar juntos? Acho que vou contratar uma atriz pra se fazer de ex, pra criar um barraco num lugar público e depois ele dirá que me ama e vai pedir perdão. Um noivado seria longe demais? Sempre quis um pedido de casamento extravagante, talvez pudesse planejar meu próprio. E o término? Quanto tempo deveria durar para se tornar relevante. As novelas duram uns 8 meses, né? Talvez se eu…

Meus pensamentos foram interrompidos por um miado e patas raspando na porta. A gata queria desesperadamente sair daí. Parece que o tédio dela não combinava mais com meu glamour de mocinha apaixonada.

Vai logo, bufei. Que glamour?, miou a gata.

Uma crônica de Sofia


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