Dia de finados: sobre saber viver
O Dia de Finados é uma data carregada de tristeza e pesar em nossa cultura. É o momento de lembrarmos os mortos com muita dor, saudade e até mesmo remorso. Desde criança fui ensinado a temer a morte. O medo era tanto que a morte se tornou algo muito grande e por muito tempo eu achei que a vida era parte da morte, quando deveria ser ao contrário.
Se olharmos ao redor, vemos que a nada na natureza se mede de maneira linear. Acabamos nos perdendo em nossa marcação de passagens temporais lineares, designando inícios e finais absolutos: acabou está acabado.
Olhe para as estações do ano e o eterno ciclo do recomeçar. O verão não termina para sempre, assim como nenhum inverno é eterno. Tudo nasce, se desenvolve e morre para voltar a nascer e dar sequência a essa eterna dança cósmica que é o universo. Tudo tem seu papel fundamental no balanço e equilíbrio fundamental das coisas. Sem as chuvas do verão não teríamos as flores desabrochando na primavera. Precisamos comer o fruto para plantar sua semente!
Temos muito medo de encerrar ciclos. Parece que há uma sombra, uma sensação de perda, que sempre acompanha os fins. Sejam relacionamentos que chegam ao seu desfecho, seja o fim da vida de alguém, o mistério que paira no ar é assustador. O final deixa sempre uma lacuna que tentamos a todo custo preencher: o que há do outro lado? A vida continua?
A vida sempre continua. As folhas que caem no outono dão espaço para as que nascerão na primavera. Um dia não estaremos mais aqui, sabemos que este corpo tem um prazo de validade. Do que adianta tentar fugir disso? Somos tão parte da natureza quanto qualquer planta e fruto! Estamos sujeitos às mesmas leis e ciclos que tudo que existe. Cabe a nós aproveitar as nossas vidas com muita suavidade, leveza e sabedoria, sabendo a hora de deixar ir tudo aquilo que precisa passar por nós.
Precisamos fazer as pazes com a morte, e o melhor jeito é compreendendo seu papel essencial na cadeia da vida. Você é a soma de todos os encontros de todos os seus ancestrais, encontros estes que tiveram início há muito, muito tempo atrás. Todos aqueles que morreram antes de você pavimentaram o caminho até aqui. A morte de cada um deles foi a finalização de um ciclo para dar espaço para novos ciclos, inclusive este que você chama de vida! O Dia de Los Muertos, data em que os mexicanos relembram seus mortos, é uma festa de pura alegria, cheia de cores, comida e música. É uma maneira de honrar e homenagear a importância de todos aqueles que vieram antes de nós. É festejar a vida, inclusive a morte, que é parte dela.
A cada dia, um dia a mais ou um dia a menos? É você quem escolhe como encara a vida. A cada dia aprendemos, crescemos, lutamos, vivemos. Nascemos pela manhã, desenvolvemo-nos pelo dia e morremos durante a noite, para que amanheça um novo começo no dia que segue. Você estaria disposta a viver exatamente o mesmo dia, todos os dias de sua vida? Então qual a razão de se agarrar e querer se prender ao que já passou, ao que não te serve mais? É muito sábio e muito dolorido ao mesmo tempo encerrar ciclos, mas acima de tudo, é necessário.
Deixe a morte transformar a sua vida. A morte de hábitos que não contribuem mais para seu crescimento, a morte de sentimentos que te aprisionam em uma versão infeliz e inferior daquela que você poderia ser, deixe que morram as mágoas e tudo aquilo que não contribui mais para o seu crescimento. Agradeça, pois tudo que já fez parte de você também é seu ancestral, também faz parte do que abriu o caminho para que você chegasse até aqui. Agradeça pelas lições e esteja pronta para o renascimento.
Saiba morrer a cada dia para que quando chegar a hora da grande morte, possa sentir que morreu como alguém que soube viver!
Escrito por Angelus