Comemoramos o Halloween corretamente no Brasil?

Nesta época, publicações pipocam pela internet de pessoas fantasiadas saindo para celebrar o aqui conhecido como Dia das Bruxas. As crianças saem fantasiadas pela vizinhança pedindo doces e ameaçando travessuras, os amigos se programam para assistir filmes de terror, há casas assombradas em cada esquina. Este é o Halloween, uma das celebrações mais aguardadas para os habitantes dos Estados Unidos. E quanto a nós, brasileiros? Devemos ou não celebrar o Halloween?

Para respondermos a essa pergunta, precisamos pensar na origem desta festa, suas raízes históricas e culturais. Você sabe o que está por trás dos doces, travessuras e fantasias?
 

A Roda do Ano pagã – Samhain: as origens do Halloween

A origem do Halloween está nas tradições espirituais celtas, povo que habitou o norte e noroeste da Europa. Como a maioria dos povos da antiguidade, os chamados pagãos (palavra que vem do latim paganus para descrever aqueles que viviam nos campos e aldeias) tinham uma cultura agrícola, ou seja, totalmente baseada no plantio e colheita. Como a agricultura era a base dessas sociedades, as estações do ano eram marcos espirituais a serem celebrados. Esta é a chamada Roda do Ano, seguida pelos atuais praticantes de bruxaria e wicca. Comemoram-se os solstícios de verão e inverno, os equinócios de primavera e outono, e outras passagens intermediárias do calendário agrícola. Era o culto à Terra, a Grande Mãe, e às forças da Natureza que provinham o sustento ao seu povo. Cada celebração era extremamente importante e significativa, mostrando uma sabedoria muito grande e um alinhamento com os ciclos da Terra. As fases da Lua eram reverenciadas, o Sol, e todos os elementos da natureza, pois era de conhecimento de todos que nossas vidas dependem de nossa harmonização com as diferentes estações do ano.

Uma dessas celebrações era chamada de Samhain. Comemorada ao final de outubro e início de novembro, coincidindo com o solstício de inverno no hemisfério norte, este festival simbolizava o ponto mais alto do Outono, época em que as coisas morrem, anunciando o Inverno que está por vir. Esta data marcava o Ano Novo celta. Este era o momento em que mundo do vivos e o mundo dos mortos se misturava, propício para a comunicação com os ancestrais para pedir auxílio e também celebrar e honrar os mortos. Em Samhain, os mortos caminham pela terra, por isso acendem-se fogueiras para aquecer o povo nas estações frias do ano e iluminar o caminho para os espíritos encontrarem o plano espiritual.

A Igreja Católica também possuía suas celebrações e festividades religiosas. Com a conquista dos povos celtas pelo Império Romano, suas tradições foram se perdendo e se misturando com o imaginário cristão trazido pelos evangelistas romanos. As celebrações eram mantidas, mas seu significado era alterado para algo coerente com a religiosidade cristã, que ganhava cada vez mais território. Assim nasceu a maioria das celebrações que temos hoje.

Samhain acontecia na véspera do Dia de Todos os Santos, data que presta homenagens a todos os mártires e santos católicos através de vigílias. A esse dia foi chamado All Hallow’s Eve (do inglês, Véspera de Todos os Santos) e a ele foi sincretizado muito do folclore pagão. Foram os imigrantes irlandeses os primeiros a plantar as raízes desta data nos Estados Unidos, onde ela se fundiu a diversas influências espirituais e folclóricas de outras tradições, originando assim o Halloween.
 
 

O Halloween atualmente

Atualmente, o Halloween é celebrado sem muita significância espiritual. É uma data comemorativa em que as pessoas se fantasiam e entram em contato com o aspecto sombrio que há no mundo. As tradições de honrar os mortos e ancestrais foram perdidas com o tempo.

Nas últimas décadas, com a retomada do culto à Deusa Mãe e das religiões pagãs, surgem cada vez mais adeptos do chamado neopaganismo, que se comprometem em resgatar as tradições de celebrar a Roda do Ano. É possível encontrar muitas pessoas fazendo rituais e entrando em sintonia com as estações do ano. E agora é que conseguimos responder à pergunta sobre nós, brasileiros, celebrarmos o Halloween por aqui ou não.

Há vários fatores que devemos considerar. O Halloween é, hoje, uma festa para se fantasiar e pedir doces que ganhou fama mundial devido à globalização e à influência cultural dos Estados Unidos. Assim como o Natal, a espiritualidade está pouco presente e já perdida por detrás das explorações comerciais feitas em cima das festividades. Há muitas festas do Dia das Bruxas, muitas escolas que decoram seus ambientes com teias de aranha, abóboras e caveiras, mesmo os simbolismos não fazendo tão sentido para nós (atualmente pouco fazem para os norte-americanos também).
 

Roda do Norte e Roda do Sul

Agora se você é praticante de bruxaria, esta data ganha um significado mais profundo. Como dito anteriormente, o Samhain é a celebração do ápice do Outono. Geograficamente, no dia 31 de outubro, aqui em todo o hemisfério Sul, estamos vivendo o ápice da Primavera, ou seja, o total oposto! Se as celebrações visam se harmonizar com a energia dos ciclos da Terra, precisamos decidir qual Roda do Ano seguir, se a Roda do Norte ou a do Sul. Como vivemos no hemisfério Sul, eu acredito que o mais apropriado seria nos localizarmos através da Roda do Sul, porque condiz com as energias e estação que estamos vivendo aqui e agora.

Muitos bruxos e bruxas atuais optam por seguir a Roda do Norte e celebrar o Samhain, pois acreditam estar assim honrando os Celtas. Eu opto por seguir a Roda do Sul e proponho a celebração de Beltane. A escolha de qual celebração você deve comemorar é sua! Cada um é livre para sintonizar com a energia que mais lhe parece correta!

Mas pensemos em nossa realidade. Estamos no auge da primavera, prestes a entrar no verão. A primavera é o pico da vida! Representa nascimento, fartura, cores vivas e quentes. Beltane é o Sabbat (celebração maior) da primavera. É o momento em que a Deusa e o Deus se unem e procriam. Nesta celebração (que no hemisfério Norte acontece em maio), trabalhos rituais para nos sintonizarmos com a energia do amor, prosperidade, saúde, fertilidade e sexo. Pedimos que nossos solos sejam férteis, que tenhamos saúde, é um festival Solar de muita luz.

A sabedoria é viver em harmonia com a Terra. Por acaso usamos casacos de lã no verão e bermudas no inverno? O Samhain, seguindo a Roda do Sul, é comemorado no dia primeiro de maio, quando o nosso Outono atinge seu ápice (solstício). Esta é a época da morte, da sombra, do frio que começa a chegar e pede recolhimento e silêncio.

Como vivemos em um país tropical, as diferenças entre as estações não são muito perceptíveis. Isso contribui para a dificuldade que temos em entender os símbolos destas tradições de países cujo inverno normalmente é frio e severo enquanto o verão é quente e próspero. Estar em sintonia com as estações do ano é estar aberto e receptivo para as fases da vida. Não se reclama o frio trazido por Samhain, muito pelo contrário! Reverencia-se sua importância e papel fundamental no eterno ciclo de morte e nascimento da vida.
Com as mudanças climáticas, há uma dificuldade em sentir as estações do ano. Os invernos podem ser quentes e os verões, frios. Até a isso precisamos estar atentos. A quem busca reverenciar o Sagrado, é importante se curvar e agradecer pelas estações do ano e tudo aquilo que simbolizam.

Para concluir, se você deve ou não celebrar o Halloween, se Samhain deve ser resgatado e celebrado em outubro ou maio, é seu coração quem vai dizer. Esteja apenas pronta para ouvi-lo!

Escrito por Angelus


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